ENXUGUE AS LÁGRIMAS NO MEU COLARINHO

Aquele amor proibido e incontido durava mais de 20 anos.

As ironias e os caminhos opostos do destino a jogou em braços que nunca quisera estar. Mas por lá não ficou. Trouxe consigo uma linda criança e na mala as marcas profundas de um idílio naufragado de amargo regresso com chagas pelo corpo, na alma e no coração.

Era finalzinho de tarde, o sol se punha nas linhas do horizonte do majestoso rio Amazonas, o maior rio do planeta Terra, cuja formosura e proporções dantescas o confunde com o mar, um mar de águas marrons barrentas.

O gajo, “bon vivant”, chapéu Panamá de lado e charuto no canto da boca, arrumara uma desculpa e deu uma escapada para estar com sua amante, a mais amante de todas as amantes, de beleza estonteante que o tempo não a conseguiu vencer.

-Por que me arrasto como uma barata pisoteada por você? Não me assumes, sou a eterna outra... até quando?

E desandou a chorar. Quis esconder seu copioso pranto com o lusco-fusco emoldurado pelas brumas do rio, mas os raios solares já minguados em conluio com as lágrimas a denunciaram.

-Vou ao banheiro...

-Não vá, amor. Se for por causa do choro, não tente disfarçar. Já percebi...

Sobre um palco improvisado com caixotes e pallets, um casal de cantores entoava músicas românticas da Fafá de Belém e do insuperável Roberto Carlos.

Por coincidência, até parece que foi um pedido de seu fruto proibido a música Desabafo do rei Roberto Carlos:

....”por que me arrasto aos seus pés, por que me dou tanto assim.... e por que não peço em troca, nada de volta pra mim... você é mais que um problema, é uma loucura qualquer, mas sempre acabo em seus braços, a hora que você quer....”.

O gajo segurou com carinho a ponta do queixo da amante e aplicou um leve selinho estalado.

Em seguida trocou saliva misturada com Johnnie Walker rótulo preto e as lágrimas deram lugar a um largo sorriso, salientando os dentes alvos como a neve daquela princesa.

Enquanto isso, o cantor lia o torpedinho que o gajo lhe mandou pedindo músicas. Estava escrito assim:

“Eu sei que viver de música não é fácil, mas você faz isso muito bem. Seu sonho de ser famoso vai se realizar, porque seu talento é transcendente. Estou com minha amada proibida aqui, poderias tocar a música Amada Amante?”

Antes de iniciar a canção, o cantor devolveu o bilhete escrito no verso.

“Minha parceira de palco também é minha amante! Entendo bem disso....” (rss).

Sorrindo ao som dos primeiros acordes, aquela linda mulher sussurrou no seu ouvido, enquanto borrava o colarinho dele com o mais impregnante dos batons, daqueles que só sai com Q-boa (rss).

- Essa música sempre me faz lembrar de você. Onde quer que eu esteja eu consigo ouvir seu coração com essa letra maravilhosa. Nunca perca essa delicadeza comigo, amor! – Continue assim, me amando e pouco se importando com os clichês sociais, porque essa sua forma de viver no mundo é o que te torna único!

Ela o amava como ele era, porque o conheceu assim. E ele a fazia feliz, mesmo com migalhas de si. Tentar mudar as pessoas, moldando ao seu ideário é um passo para perder a pessoa amada!

-Não fique triste! Não chore mais, meu amor. Enxugue as lágrimas no meu colarinho, quando eu chegar em casa eu o corto com uma tesoura para a madame não ver...

E a noite só acabou na manhã seguinte, com os corpos exaustos, suados e o sorriso no semblante de cada um, felizes para sempre, como há 20 anos.