VALE A MÁXIMA: QUEM NÃO REGISTRA NÃO É DONO PARA AS TERRAS TRANSFERIDAS AO AMAPÁ
Alexandre Yared Lima (*)
Não vivemos mais na fase do homem da caverna, muito menos na época conhecida como do vigário, ou dos tempos do caçador ou do guerreiro, mas sim, na fase do chamado Homem Jurídico, ele está coberto de leis, decretos e regulamentos.
É sabido por todos, que nem tudo que é bom para o governo é bom para o cidadão, pois o Estado deve valorizar a segurança jurídica e as instituições da comunidade, estas devem ser excluídas do controle do governo do momento, pois estes passam e as instituições ficam.
O registro paroquial de terras ou do vigário foi criado no período monárquico, em 1854, por meio do Decreto n0 1318, previa o artigo 91, a obrigatoriedade aos possuidores de registrar suas terras qualquer que fosse seu título de propriedade ou posse. Na época o cadastro era declaratório e o vigário era encarregado de receber as declarações para registrar as terras.
O sistema registral imobiliário atual tem a função não somente de tutelar a propriedade privada, como também combater a clandestinidade, irmã gêmea da fraude e da grilagem. Não se pode negar, que a finalidade dos serviços registrais é dar segurança nas relações jurídicas, eliminar possibilidades de riscos do ato emanado pelo registro, dar ainda autenticidade e eficácia nos atos jurídicos do registro.
Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, o sistema imobiliário registral é um conjunto harmonizado de princípios que orientam a aplicação de dispositivos legais relativos ao registro de imóveis, a fim de que seja alcançado o objetivo institucional deste, qual seja, dar segurança, autenticidade e eficácia (art. 10 da Lei de Registro Público) aos atos jurídicos imobiliários, por meio da publicidade registral.
É bem verdade que, o Constituinte de 88, estabeleceu no inciso XXV do artigo 22, a competência privativa da União de legislar sobre registro público. Mas à frente, no art. 236, o Poder Público delegou a competência dos serviços de registro imobiliários.
A Lei 8.935/1994 regulamentou a norma constitucional, concedeu ao Poder Judiciário o papel de fiscalizar os registradores, assim como, atribuiu aos oficiais a fé pública, estabelecendo as responsabilidades civis e criminais pelas faltas praticadas, os direitos/deveres, as infrações e as penas culminadas ao registador.
O oficial de registro, ingressa na atividade por meio de concurso público de provas e títulos, sendo assim, são considerados “funcionários públicos” para efeitos penais, nos termos do art. 327 do Código penal Brasileiro.
Veja o que rege o art. 327 do CPB - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
O ato do registro, está apto para produzir os efeitos jurídicos que dele se espera, quando produz consequência própria, podemos dizer então, que foi garantido a eficácia dele. Para tanto, exemplificamos o ato do registro de um contrato de aquisição de propriedade imóvel, ao transmiti-la, permite-se ao adquirente a oponibilidade da situação a terceiros, já que, o registro produz efeitos contra todos (erga omnes).
É correto afirmar que, a aplicação dos dispositivos legais relativos ao registro de imóveis é orientada pelos princípios, estes, tem como objetivo alcançar a devida segurança, autenticidade e eficácia dos atos jurídicos imobiliários (art. 10 da Lei de Registro Público), por meio da publicidade registral.
Assevera Celso Antônio Bandeira de Mello, que os princípios normativos que regem o direito registral brasileiro são como mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, pois é o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.
Em vista disso, infringir um princípio é pior que infringir um dispositivo legal, pois a infração a um princípio fulmina toda estrutura do sistema jurídico, aniquilando a harmonia do ordenamento, enquanto o malferimento a um dispositivo legal só a ele macula, permanecendo íntegra a construção jurídico-doutrinária do ordenamento.
Sendo assim, é relevante abordar nesse artigo alguns dos princípios norteadores relativo ao registro de imóveis, com objetivo de fazer uma análise técnica e crítica do processo de cessão de direito e doação das terras da União para o Estado do Amapá que se arrasta desde 2001 com advento da Lei 10.304/2001.
O Princípio da Inscrição, pode ser resumido pela máxima: quem não registra não é dono” ou “quem não registra não tem direito real sobre o imóvel”, pois a Lei de Registro Público inovou a sistemática do registro de imóveis com a criação da matrícula, com objetivo de controlar com exatidão as informações do registro. Significa dizer que, os direitos reais sobre os bens imóveis constituídos ou transmitidos somente se transfere após o registro do título translativo em cartório de registro de imóveis (Código Civil Brasileiro, artigos. 1227, 1245 -1247).
Veja que, a combinação os artigos supra citados com o princípio da inscrição, ensinam que, enquanto não registrado o título doado pela União que transfere a propriedade para o Estado do Amapá junto ao cartório de imóveis competente, a União continuará sendo visto como dona das terras, restando ao Estado a condição de mero possuidor.
Segundo o Princípio da Disponibilidade, ninguém pode transferir mais direitos do que aqueles constituídos no registro imobiliário, isso significa que, a propriedade e os direitos a ela relativo somente se transmite com o registro do título. Pois bem, como pretende o Estado alienar terras se não sabe exatamente se os direitos dela constante está disponível em nome da União ou de algum particular? Principalmente se o imóvel alienado está sobreposto a imóvel gravado com cláusula de inalienabilidade?
Nesta senda, a Lei de Registro Público - LRP, estabeleceu os requisitos legais e obrigatórios a serem satisfeitos para efetivação da matrícula do imóvel. Mas especificamente, rege o § 3 o do art. 176 da LRP, que a identificação do imóvel rural previsto na alínea a do item 3 do inciso II do § 1o , consiste na obtenção da Planta e do Memorial Descritivo, sendo que, os vértices definidores dos limites devem estar georreferenciados ao Sistema Geodésico Brasileiro. É obrigatório ainda, assinatura de profissional com a respectiva Anotação de Responsabilidade Técnica - ART. Ademais, dispõe o § 5º do referido artigo, que o INCRA deve aferir e certificar o Memorial Descritivo da área, se atende às exigências técnicas.
Em que pese, a identificação do imóvel previsto na Lei de Registro Público, não creio que esteja correta a orientação a respeito do registro das terras transferidas somente com o TITULO AQUISITIVO (papel), mas para que se proceda registro, o mesmo deve ser acompanhado da Planta e do Memorial Descritivo da área dita remanescente (área a ser transferida), por sua vez, deve possuir as coordenadas precisas dos vértices.
Conforme estatui o art. 481 do Código Cívil Brasileiro de 2002, não basta para transferir ou adquirir o domínio de um imóvel, apenas o comtrato (título), pois este cria apenas obrigações e direitos as partes envolvidas no negócio.
O ideal é que se faça antes do registro, os destaques dos imóveis públicos e principalmente dos privados, somente desta forma, pode ser definido o polígono que será transferido (o que chamamos de área remanescente), mesmo que subdividida em diversas partes, feito isto, deve ser levado a registro, obviamente, submetido ao INCRA para certificação prévia do remanescente (área objeto da transferência).
A lei 14.004/2020, adicionou o inciso VI na Lei n0 10.304/2001, determinando excluir do processo de transferência as propriedades privadas cujo título expedido pela União estão registrado no Cartório de Registro de Imóveis-CRI. Acontece que, o título do imóvel (contrato), apesar de possuir registro, pode ocorrer que, ainda não tenha sido transferido definitivamente para o particular, ou seja, existem inúmeros casos em que as cláusulas e condições resolutivas do contrato estão ainda vigentes, outras vencidas e até mesmo aquelas cláusulas que não foram ainda liberadas pelo INCRA (termo de liberação de cláusula).
Levando em conta a premissa acima, podemos afirmar que, puramente o ato de registrar o imóvel não dá o condão de excluir da transferência aqueles que foram expedido o título, pois além do registro é necessário que o mesmo seja destacado definitivamente no CRI do patrimônio público, resolvidas as cláusulas resolutórias.
Alertamos na oportunidade, os proprietários de terras, cujo imóvel possui registro transferido ou não do, cuja cláusula resolutiva foi cumprida na íntegra, para acompanhar os procedimentos demarcatórios para que não seja surpreendido com sobreposição de área e até mesmo duplicidades de matriculas.
Não podemos deixar de citar o § 4º da Lei n0 14.004/2020, estabeleceu prazo de 1(um) ano para a União identificar, destacar e excluir as áreas que lhe pertencem, utilizando-se como referência, a base cartográfica do INCRA. Ora vejam bem, não é possível fielmente confiar nesta base de dados de cadastro responsável pela gestão territorial atual, por certo, diversos títulos foram expedidos no sistema demarcatório antigo no plano topográfico até 2001 que não foram cadastrados a não ser que se colete em campo as coordenadas geodésicas dos vértices, ao contrário disso, outros tantos, que também possuem falhas, mas seguiram o novo sistema GNSS que é baseado na geodésica utilizando um datum como superfície de referência, de maior precisão (Lei 10.267/2001).
É certo que o § 5º da Lei n0 14.004/2020, não casou óbice ao exigir previamente após 1 (um) ano a exclusão dos imóveis pertencentes da União, como Assentamentos, Terras Indígenas, Unidades de Conservação, etc.. Apesar da referida lei, garantir à União, o direito de excluir seus imóveis após o registro. Ora veja bem, como que está previsão legal no plano superficial irá garantir que não haverá sobreposição de imóveis quando regularizados pelo Estado, se a celeuma jurídica, consiste na falta de informação existentes nos livros fundiários e na coordenação do cadastro territorial dos imóveis não e georreferenciados, mais grave ainda, para a grande parte daqueles não certificados pelo INCRA. Pois rege a norma, que deve constar no registro Jurídico do Imóvel (Matrícula) a ratificação da área (ampliada/reduzida), objeto de processo demarcatório.
Vale lembrar que, em 2018 o Estado do Amapá, na figura do extinto IMAP, solicitou o registro e transferência de 05 Glebas no CRI, bem verdade, que o registro da matricula respeitou os direitos constituídos das áreas institucionais da União e áreas privadas, conforme previa a Lei federal n0 10.304/2001 e Decreto regulamentador n0 8.713/2016, é sabido por todos, que a pedido do órgão de controle da União, à revelia do Estado, foi bloqueada e suspensa a transferência das terras, com alegação de que não foram efetuadas as exclusões dos imóveis pertencentes à União.
Ora vejam bem, pasme, agora quatro anos após do feito, o próprio Estado, pretende novamente fazer o registro e transferência cartorial, adotando o mesmo procedimento realizado antes para as cincos glebas bloqueadas judicialmente, com argumento de esgota o prazo e que a União não fez o destaque dos seus imóveis, ou seja, transfere-se toda gleba para o Estado sem antes excluir e certificar o remanescente? E quanto aos imóveis privados?
Não é a hora de resolver concomitantemente a situação destas cinco glebas entre elas a que se concentra maior população do Estado (Gleba AD 04), que não difere dos atuais procedimentos adotados, a não ser pela entrega do título aquisitivo pelo Presidente Bolsonaro, pois na época, não havia o regulamento exigindo necessário emitir escritura pública de doação (Decreto n0 10.081/2019)? Pois ao nosso ver, existem falhas técnicas que ferem a lei de registro público de 1976!
A pergunta é: se o Estado emitir qualquer título em nome de beneficiário dito ocupante de terra pública, dentro desse cenário fundiário inseguro e confuso, caso haja sobreposição de imóveis e matriculas, não estaríamos diante de um eterno conflito judicial, com criminalização de agentes públicos, consultores e produtores rurais?
Certamente, a judicialização da regularização fundiária e a responsabilização de certos agentes públicos acabará trazendo ainda mais insegurança para aqueles agentes que tomam as decisões e para o futuro dos empreendedores que investem na terra, pois, a regularização segura da terra, defini as perspectivas futuras da produção e do desenvolvimento regional. Por este motivo, é fundamental serem travadas discussões a respeito da temática tendo em vista, influenciar na tomada de decisão no âmbito da Administração Pública, em especial no que concerne a exclusão das propriedades privadas, o registro de transferência e a Regularização da terras ocupadas mansa e pacificamente.
Ao nosso ver, conflitos se darão caso não se faça a exclusão dos imóveis particulares da área remanescente, tendo em vista que, são claros os dispositivos legais quanto ao destaque prévio e quanto a certificação do memorial descritivo pelo órgão competente, o que poderá atrair possíveis motivos de nulidades ou ações rescisórias.
Tecnicamente, a certificação do memorial do imóvel rural, tem o condão de evitar que a área transferida, esteja sobrepondo áreas já tituladas pelo INCRA, aquelas registradas e transferidas para o particular, evidentemente que este ato atende aos interesses público e privado, pois ambos estão diretamente envolvidos no negócio jurídico (alienação de terra pública). Conforme ressaltado, está correto afirmar que, a certificação pelo INCRA, visa combater a grilagem de terras públicas, assim como, o caos da violência no campo que tem origem na disputa de terras registradas em duplicidade e posses, neste caso, a obrigatoriedade atende aos interesses público, mas quando visa garantir mais segurança jurídica ao ato negocial, atende ao interesse privado, pois evita futuros questionamentos e conflitos agrários decorrentes de duplicidade de matrícula, na mesma área.
Diante do exposto acima, pode-se afirmar que não há dúvidas quanto a interpretação do art. 176 da lei 6.015/1973, uma vez que, está claro ao dispor que somente poderá ser registrado imóveis cujo memorial esteja certificado pelo INCRA/SIGEF, com os as coordenadas dos vértices georreferenciadas.
O Princípio da Especialidade está clarificado com a interpretação dos artigos 225 e 176, § 1º, inciso II, item 3, que se esmerou em individualizar cada imóvel, tornando-o inconfundível com qualquer outro, exigindo a plena e perfeita identificação dele, impondo para outorga do título requisitos imperativos como a determinação precisa do conteúdo destes.
Não obstante, a Lei 10.267/2001, alterou a Lei de Registro Público, no que consiste exigir como requisito do registro da matricula para qualquer transferência, a obrigatoriedade de identificar o imóvel cujo código do imóvel deve constar do CCIR, sua denominação, características, confrontações, localização e área, pois é o memorial descritivo, o documento que descreve detalhadamente em forma de texto o perímetro, indica as distâncias, ângulos e confrontações, sua área, bem como as coordenadas dos vários vértices com os dados determinados em campo.
Diante dos fatos, à pergunta é: para cumprir a legislação pátria, quanto tempo levaria os órgãos fundiários da União e do Estado com suas estruturas atuais para excluir os imóveis públicos e particulares para registro somente da área remanescente?
Como disse, não tenho dúvidas, que esta exigência legal apresenta ganhos em termos de segurança jurídica, para toda a sociedade (e para os próprios interessados), estes ganhos são maiores do que possíveis prejuízos decorrentes de atrasos na exclusão dos imóveis particulares da área remanescente e principalmente de enxurradas ações judiciais que podem ocorrer atribuídas de atos açodados e não observância aos dispositivos legais.
Atente-se o fato de que ao longo de décadas o Estado do Pará e o INCRA expediu e alienou terras no Amapá, expediu diversos títulos de imóveis rurais em nome de particulares, alguns imóveis estão registrados, outros não, inclusive alienados á grandes empresas florestais, que foi levado a registro nos Cartórios de Registro de Imóveis, por certo, estes imóveis já foram transferidos do patrimônio público, desta feita, não mais pertencem à União. Ora veja bem, se parte das terras já foram transferidas para particulares, não se admite que sejam novamente transferidas, desta vez para o Governo do Estado, pois se for assim, configurase grilagem, fraude e o ato é nulo, sem nenhum efeito jurídico.
Cabe ressaltar que os direitos reais se constituem, se transmite ou se extingue com o registro no serviço imobiliário, este registro, deve ser feito no Livro n0 2, denominado de Registro Geral, assim, podemos dizer que cada imóvel objeto de registro deve possuir somente uma matrícula e cada matrícula corresponde a um imóvel, assim rege o Princípio da Unitariedade da matrícula, disposto art. 176, § 1º, I, da LRP.
Atentemos ao seguinte estudo de caso relacionado ao Princípio da Territorialidade: Um imóvel de qualquer interessado, encravado em determinada gleba pública, como saber em qual circunscrição pertence este imóvel para que ele se dirija ao ofício imobiliário competente para registra-lo ou solicitar expedição de uma certidão? se existem glebas, que estão superpostas nos limites jurisdicionais de até seis Municípios do Estado, como no caso da Gleba Tartarugalzinho.
Atente-se a essa realidade, uma vez que, os limites das glebas divergem dos limites patrimoniais dos Municípios, sendo assim, não seria o caso de aproveitar a oportunidade e redimensionar ou desmembrar parte das glebas registrando-as de acordo com os limites de competência da circunscrição territorial em obediência ao Princípio da Territorialidade que é definido no art. 169 da Lei 6.015/1973, que dispões sobre a obrigatoriedade de efetuar atos na serventia da situação do imóvel.
Por fim, é dever do oficial do cartório de imóveis, examinar a legalidade e a validade dos títulos que lhe é apresentado para registro, nos seus aspectos intrínsecos e extrínsecos impedindo que sejam registrados títulos inválidos, ineficazes e imperfeitos.
Por certo, o título deve ser examinado a luz da legislação em vigor, assim, para que ocorra o registro, exigências devem ser cumpridas indicadas por escrito pelo oficial conforme preceitua o art. 198 da Lei 6.015/1973. No tocante as glebas públicas rurais, há de se acompanhar, o título translativo, o número do Certificado de Cadastro do Imóvel Rural – CCIR, a identificação do imóvel feita pelo Memorial Descritivo georreferenciado e certificado pelo INCRA da área remanescente a ser registrada com respectiva Anotação de Responsabilidade Técnica - ART.
Não se pode olvidar que a validade do registro de um título diz respeito à validade do negócio jurídico causal. Nulo o negócio, nulo será o registro. Anulado o negócio, anulado será o registro.
"Em virtude das limitações de espaço para escreve o presente artigo, não abordamos de forma exaustiva os limites e repercussões do atos discricionários e técnicos dos agentes públicos. Limitei a abordar superficialmente o tema!”.
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