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Terça-feira, 15 de Outubro de 2024

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O BAR DO MAGUILA: É PROIBIDO BEIJAR  

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O BAR DO MAGUILA: É PROIBIDO BEIJAR  
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Por Adilson Garcia

 

 

O BAR DO MAGUILA: É PROIBIDO BEIJAR

 

Toda cidade tem suas histórias pitorescas. Macapá, encravada no delta do Rio Amazonas na selva Amazônica é rica em folclores, tradições e lendas. Cataloguei várias para presentear nossos leitores.

Eu poderia falar do Bar do Abreu, do Bar do Índio, Bar do Rodapé ou dos conhecidos puteiros Jambeirinho e Bar da Loura. Todos têm suas histórias. Meu ídolo Reginaldo Rossi na música mais famosa dele dizia que no bar todos somos iguais na chatice, na valentia e no monopólio da razão.

Quem nunca foi a um bar, com o coração dilacerado, bebeu sozinho até cair na sarjeta e depois levou umas lambidas na boca por um cachorro sarnento? Se você nunca passou por isso, certamente nunca foi corno na vida! (Kkkk).

 

 

Um conhecido político metido a Casanova estava de amor novo, fazendo um “test drive” e, lógico, não podia “dar mole” nos bares centrais mais conhecidos. A esposa dele era brava e barraqueira, aquelas que antes de baixar a porrada no indivíduo, primeiro quebra os vidros e faróis e risca o carro todo... rsss.

Aí falaram pra ele ir ao Bar do Maguila. Ficava bem escondido, lá no final do bairro Perpétuo Socorro, na Cidade Nova, na foz do Canal do Jandiá, na orla do Rio Amazonas.

O Bar do Maguila era conhecido pela cerveja estupidamente gelada e por suas iguarias da culinária amazônica misturada com a saborosa comida nordestina. Um dos carros chefe era o camarão pitu que, confesso, não gostava, mas mudei o conceito depois que fui lá e provei.

 

Maguila cabra da peste nascido em 1960, maranhense de Bananal, interior de Caxias, chegou no Amapá em 1989 aventurando-se nos garimpos.

Tinha esse apelido porque era a fotocópia frente e verso (autenticada em cartório com fé pública) do lutador de boxe Maguila, ambos exóticos senão excêntricos, mormente pelos seus jeitinhos pouco polidos, tipo “grosso que nem papel de embrulhar prego” (rss).

Maguila, humilde, corretíssimo e amigo, dava respostas diretas mais contundentes que os cruzados no queixo do xará boxeador.

Ele e a esposa preparavam os comes e bebes e serviam com muita cortesia.

Porém Maguila não admitia “saliença” no seu boteco. Não permitia sequer beijos ou abraços, muito menos mão naquilo ou aquilo na mão! (kkk)

E isso o fez famoso. Saiu até no “Me Leva Brasil” no Fantástico da Rede Globo.

Chamou a atenção do ex-governador João Capiberibe e sua mulher, a atual vereadora e ex-deputada federal Janete Capiberibe (PSB-AP), que ousaram testar as regras do defeso do beijo no dia dos namorados.

Evidente que não é nada agradável ver o Capi e Janete se beijando (perco o amigo, mas não perco a piada. Vai me processar de novo? Olha a exceção da verdade! rss), mas não foi por isso que Maguila os repreendeu suando em bicas porque eram “otoridades”:

-Sua Excelência vai me desculpar, mas aqui não pode beijar, não sabe ler o aviso?

“É PROIBIDO BEIJOS E ABRAÇOS, NÃO INSISTA!”

Maguila morreu baleado no dia 28/07/2005. E isso levou a ilustre Deputada Janete Capiberibe a fazer um pronunciamento no dia 04/08/2005, homenagem e lembrança reservada para poucos figurar nos anais da Câmara Federal:

“A SRA. JANETE CAPIBERIBE (PSB-AP. Pela ordem. Sem revisão da oradora.)

-Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, a cidade de Macapá perdeu, no último dia 28, um dos seus mais queridos moradores: o empresário Alfredo Teixeira Novaes, o Maguila, dono de um restaurante popular e folclórico, morto em sua residência. Natural do Maranhão, Maguila mudou-se para o Amapá em 1990. Com simplicidade e popularidade, montou um restaurante simples, que vinha aprimorando com o passar do tempo. Ficou conhecido nacionalmente no quadro Me Leva Brasil, do programa Fantástico, da TV Globo, pelas regras pouco usuais que impôs no seu bar e restaurante, onde afixou placas proibindo beijos e abraços para evitar episódios desagradáveis entre os clientes. Perdemos, infelizmente, um daqueles cidadãos que trazem ao Amapá seu esforço e sua vontade de construir um Estado próspero, com trabalho honesto e solidariedade. Registro minha homenagem e minhas condolências aos familiares”.

Certa feita, enquanto eu tomava uma loura gelada no Bar do Maguila recebendo no rosto a brisa maravilhosa que sopra do Rio Amazonas, refrescando o calor tropical quase insuportável dos rincões amazônicos, tomei coragem e o convidei para sentar à nossa mesa.

-Doutor, não sento à mesa de cliente. Sua Excelência não é qualquer um, já te vi na televisão, por isso vou abrir uma exceção. Mas não é pra acostumar, viu?

Ufa! Consegui. E então perguntei pra Maguila o porquê daquela proibição das manifestações de amor dos casais no seu recinto “botecário”.

Evidentemente que a proibição era para os héteros, porque casais homossexuais o Maguila por certo expulsaria na base da bicuda e sopapos! (Kkkk)

Esse pessoal da antiga, nordestino, geralmente é machista e muito conservador, não é mesmo? Besteira, né? Amor é sentimento, não tem nada a ver com o sexo dos amantes. Mas já pensou dois barbudos se beijando no bar do Maguila? Era porrada na certa!

Bem, Maguila me confidenciou que em data remota, um conhecido político estava em seu bar aos beijos e abraços, no maior love ouvindo cumbia com uma quenga, a alpha 2.

De repente, não mais que de repente, chegou sorrateiramente a alpha 1 e mudou o ritmo musical do ambiente pra “lambada”.

-Foi tamancada pra todo lado, doutor. Até eu com esse tamanho todo apanhei. A patroa enfurecida quebrou cadeiras, copos, pratos e me deu um prejuízo danado. Muitos clientes correram do quebra-pau sem pagar a conta. Estou até hoje esperando o deputado vir aqui acertar o “preju”.

Aí por isso não permito beijos, porque fica chato perguntar ao cliente se aquela fulana é a quenga ou a legítima esposa.

Matutei comigo que o Maguila tinha lá suas razões de proteger o “ambiente familiar”. Ou será que foi um genial lance de marketing?

Não fosse esse defeso pitoresco do beijo, seria somente mais um dos bares comuns da extensa orla do majestoso rio Amazonas.

Depois da aparição na Vênus Prateada o bar estourou nas paradas de sucesso!

Mas quando soube da notícia da morte do Maguila, confesso que fiquei muito triste. Atuei muito tempo no Tribunal do Júri na acusação, fiz centenas de julgamentos e por ironia do destino os casos mais rumorosos e “famosos” de Macapá foram parar nas minhas mãos.

Aquela região onde está localizado o Bar do Maguila, agora urbanizada com praças bonitas, é rodeada de palafitas, baixadas e invasões. E também um dos locais mais perigosos, cheio de malas (corruptela de malacos) e bocas-de-fumo, sem embargo de abrigar trabalhadores, gente honesta na sua maioria.

Em várias escutas telefônicas judiciais de investigação de traficantes e quadrilhas, eu ouvia sempre o termo “Pê Rélpi”, ou seja, Perpétuo Socorro na linguagem dos malandros, buscando lá o “béck”, nome dado pelos maconheiros ao cigarrinho do capeta, a popular maconha.

Por isso, Maguila tinha posse de uma arma de fogo no seu boteco. E foi justamente essa arma que o matou, o que comprova na prática minha tese de que arma não é panaceia para todos os males. Ao invés de proteger às vezes até piora a situação, em especial porque é necessário treinamento e controle psicológico para ter uma.

O povo brasileiro, no geral, é mal educado e a disseminação de armas à revelia seria um “genocídio”, um simples para-choque amassado em acidente de trânsito ou um cotoco em uma discussão de trânsito pode resultar em morte, conforme sói acontecer com os motoristas armados que ficam valentes e “não levam desaforo pra casa”.

Por isso, sou contra a banalização do porte de arma e não aceito os argumentos de paradigmas americano ou suíço porque lá as realidades sociais e os níveis culturais são outros totalmente distintos do Brasil, bem como lá eles têm a cultura e tradição no uso de armas.

Aqui seria uma tragédia grega com pitadas de temperos tupiniquins.

Etimologicamente, tragédia vem do grego “tragoedia”, que é a composição dos vocábulos “tragos” (bode) e “oidé” (canção) e significa “canção ao bode”. Era comum nas celebrações realizada aos Deuses na Grécia sacrificar um bode como oferenda, daí a origem do termo tragédia para designar acontecimento funesto, terrível ou uma desgraça.

E foi isso que aconteceu com Maguila: uma tragédia!

As circunstâncias até hoje são obscuras, foi encontrado morto dentro de casa e uma das teses sustenta que foi baleado pela própria arma enquanto a limpava. Ou teria caído de cima do guarda-roupas e disparou contra ele.

Mas meu faro de promotor cogitava de outras hipóteses e em sede de investigação nenhuma linha pode ser descartada. Sempre que atuava no crime, abria um leque de possibilidades com base nos dados objetivos disponibilizados nos laudos de necropsia, de local de morte violenta, residuográfico, de balística etc.

Com base nessas informações conhecidas, por dedução com base na lógica você pode derrubar um estratagema da defesa, porque não é possível contrariar as leis da física.

Como pode se sustentar sem passar pelo ridículo a bala mágica que matou Kennedy: um disparo e sete feridos?

No meu ver no caso Kennedy não seria aceitável a Casa Branca admitir que foi vulnerável à máfia e elegeram um bode expiatório, Lee Harvey Osvald, o “lobo solitário”, depois morto facilmente sob a tutela do serviço de inteligência da maior potência do planeta. Incrível, né?

Nada de língua nos dentes ou “no halibut in this history, please”! (*tradução: sem alcaguete nesta história, por favor!).

Mas o que tem a ver o homicídio de Kennedy com o do Maguila? Bem, cronista viaja na maionese mesmo!

Mas o raciocínio de um jurista que busca no processo penal a verdade real, tanto faz se o objeto de investigação é um poderoso líder de uma nação e os seus inúmeros interesses comerciais, bélicos e políticos que estão por trás ou um humilde comerciante deste lindo cantinho da Amazônia.

Por isso, importante acrescentar ao fato objetivo, as circunstâncias subjetivas no entorno da vítima, suas relações pessoais e eventuais inimizades, inclusive no círculo íntimo parental.

Na casuística de milhares de casos de homicídio nos quais atuei, raras foram as mortes acidentais no manuseio de arma curta. A maioria dos acidentes foram com armas longas.

Embora sempre tenha aquele momento de bobeira, não me parece lógico alguém limpar a arma municiada. Seria o cúmulo imprudência.

Seria possível uma arma disparar sozinha? Sim, por defeitos mecânicos ou queda, mas são hipóteses raras. Aplico às armas o princípio da inércia da física, segundo o qual o corpo permanece em seu estado de repouso se nenhuma força atuar sobre ele.

Como revólver é uma arma de curso longo e tem um gatilho pesado de dupla ação, não é fácil acionar. Traduzindo: Essa força chama-se dedo! Mas dedo de quem?

Um tiro acidental do próprio dono seria à curta distância, encostado, o que causaria no cadáver as zonas de tatuagem e esfumaçamento decorrentes dos grãos incombustos da pólvora (fuligem). A pressão dos gases de explosão, em tiro encostado, produzem lesões de monta normalmente em formato de estrela, nominadas na perícia forense como buraco ou câmara de mina de Hoffman.

A trajetória do projétil na hipótese de queda seria de baixo para cima, incompatível com a trajetória da bala disparada por um atirador de pé, como foi o caso do Maguila.

Vejam que é difícil enganar a perícia, porque o cadáver “fala”. Quando manuseei o inquérito policial o cadáver do Maguila “conversou” comigo por meio do laudo necroscópico e me disse que não foi um acidente com ele próprio.

Bem, estou aposentado do MP (e agora com tempo) e cogitando de escrever o livro “A Velha Beca Puída: os crimes do Júri”, onde vou contar inúmeros casos famosos que atuei. Nesse livro vou contar detalhes cruciais e sórdidos desses crimes, inclusive o do Maguila.

Por isso, não farei incursões meritórias nesse caso, “hic et nunc” (gastando o latim: aqui e agora).

Hoje passo por lá e me dá água na boca quando me lembro do camarão pitu no bafo com ervas da Amazônia preparado pelo Maguila. Era “no peso”, não tinha enganação.

Paro, olho para o bar fechado e me dá um nó no peito, uma tristeza danada.

Sem aquela ilustre figura, parece que o Jandiá está faltando um enorme pedaço!

Obrigado por tudo, Maguila! Deus lhe reservou um lugar especial dedicado aos homens justos e trabalhadores.

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Adilson Garcia

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Adilson Garcia

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