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A VAMPIRA DA BOCA MALDITA

COLUNA FÓRUM OPTIMUS

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A VAMPIRA DA BOCA MALDITA
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COLUNA FÓRUM OPTIMUS

Por Adilson Garcia

 

A VAMPIRA DA BOCA MALDITA

 

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Madrugada fria, aquela névoa característica de Curitiba que emoldura os canteiros da rua das Flores, tornava opaca a visão magnífica da mais charmosa e bela vereda do Brasil, o calçadão da av. XV de Novembro.

Eu caminhava só e o casaco de couro não era suficiente para me proteger daquele inverno da Terra dos Pinheiros (Cury = Pinho + Tiba = Terra, em tupi-guarani).

Sentia um vulto sinistro me seguindo. Olhei para trás e só vi minha sombra dos candeeiros clássicos dos centenários postes de ferro estilo colonial que mal iluminam os painéis e mosaicos rococós da Capital Paranaense.

-Que nada, é só uma impressão.

O Palácio Avenida estava repleto de luzes aguardando o dezembro que se aproximava, decorado para receber uma das mais famosas cantatas natalinas do mundo.

Assim que passei pelo Bondinho Leitura, ouvi uns passos marcantes de um salto que martelava as pedras portuguesas do calçadão. Olhei para trás e misteriosamente o vulto que havia sumiu e o barulho dos passos cessou.

Um calafrio correu meu espinhaço. E não sei por que, veio à minha mente a lembrança do Vampiro de Curitiba, um dos melhores contos de Dalton Trevisan. Confesso que sempre invejei Dalton, pois desde menino queria ser escritor como ele. Se um dia eu virar escritor, pode saber que foi inspiração do Dalton.

Vixe! Será que é um vampiro que está me seguindo? Será que o Dalton escreveu esse conto ao andar pelo calçadão da XV de madrugada e passou pelo mesmo pânico?

Com medo (e com frio), entrei num aconchegando boteco com móveis antigos estilo Luiz XV. Sentei à mesa num canto lúgubre e pedi um conhaque flambado. Nem esperei aquecer e tomei aquela talagada com chama e tudo. Saiu fumaça pelas ventas e a ponta das orelhas aqueceram rapidamente.

Como se surgisse do nada, quando levantei as vistas uma figura estranha, lábios de batom cor de ébano, cabelos com franja e algumas mechas multicoloridas, uma bota imponente com um salto 15 fino, apalpou meu ombro.

-Oi, gato! Posso sentar à sua mesa e tomar um drinque na sua companhia?

Gaguejei a princípio e ao fitar aquele olhar penetrante com rímel sobrando pelas beiradas e aquelas pupilas negras que pareciam duas jaboticabas, veio um calafrio.

Com a indumentária estrambótica toda preta e irreverente com mistura de elementos de indie rock, heavy metal e hardcore, parecia uma grunge.

Mas aquelas franjas tapando os olhos, cabelos pretos com detalhes coloridos, lembrava também o estilo Emo. Ou seria uma Drag Queen?

Mas era muito linda, bem esguia e pele bem cuidada, as bochechas pareciam pêssegos.

E eu, macaco velho de bunda pelada, que não pula em galho seco e nem mete a mão em cumbuca, logo desconfiei porque quando a esmola é demais o santo logo desconfia.

-Pois não, sente-se princesa!

-Óh, muito obrigado pela gentileza. Posso pedir uma bebida? – Garçom, Bloody Mary, please!

A cisma não parou. Fiquei com a pulga atrás da orelha:

-Mademoiselle, posso lhe fazer uma pergunta?

-Óh, meu príncipe, lógico que sim. Só espero que não seja um interrogatório tipo policial. Porque você tem uma cara de polícia. Você é delegado?

-Ah, não. Bem, sou mais ou menos isso, tô no mesmo ramo. Mas é só uma curiosidade: você é Drag Queen, travesti ou trans? Ou é garota de programa?

-Kkkkk! Lógico que não... quer ver?

Enquanto eu olhava incrédulo para os olhos e o sorriso maroto, ela foi entreabrindo o par de coxas roliças e carnudas e com algum esforço levantou a saia de couro na altura do quadril. As luzes coloridas que piscavam dos letreiros dos bares da Boca Maldita do outro lado da rua penetravam por aquela caverna escura e refletiam nos pelos pubianos sedosos cortados no estilo bigode de Hitler.

Pude ver um extasiante monte de vênus talhado ao meio com um risco tom carmim.

Para tirar a prova dos 9 ela encostou a cadeira ao lado da minha e levou minhas mãos sorrateiramente por baixo da mesa entre suas pernas e me fez apalpar o botão intumescido e lubrificado.

-Quis lhe conhecer e ser sua nem que seja por uma noite. Reconheci em ti traços finos, o modo de pegar o copo e beber, o olhar perdido no vago a busca de um elo perdido, a roupa de couro de classe, o relógio de ouro reluzente e um chapéu Panamá legítimo inconfundível.

-Você não é qualquer um.  Fica comigo, fica?

Depois, pegou a minha mão e esfregou o dedo lambuzado no meu nariz.

-Aspire lentamente, cheire bem profundo...

Nossa! Era um aroma de feromônio misturado com almíscar e ao mesmo tempo jasmim, com um leve toque de enxofre no final.

Enxofre? Caracas, arrepiei. Mas como já havia escapado de duas Covid-19, esse é um dos sintomas que alguns pacientes que sobreviveram sentem, sintoma esse conhecido como “parosmia”, consistindo num fenômeno de “perversão do olfato”.

Noite vem, noite vai e o papo rolou incessante, temas variados enquanto ela arranhava com as unhas dos dedos frios os cabelos do meu peito. Vez por outra sugava levemente meu pescoço e mordiscava o lóbulo da minha orelha.

Seu hálito exalava o Bloody Mary com o mesmo leve toque de enxofre ao final, o mesmo cheiro da sua vagina.

Depois ela me deu um leve beijo nos meus lábios e quando senti a ponta da sua língua procurando o céu da minha boca, tive uma sensação de gosto de sangue.

Pensei: - é impressão minha, porque a boca estava manchada de vermelho do Bloody Mary e isso levou meu cérebro a sugestionar sangue.

O garçom apresentou a conta “spont sua”, sob nossos protestos.

-Lamento, cavalheiro, mas temos horários sob pena de pesadas multas da prefeitura. Temos que fechar.

-Sem problemas, vamos levar uma garrafa de Campari e a gente bebe a nossa noite até o sol descortinar. – Pode ser?

Saímos pela noite Curitibana gelada, ela querendo entrar dentro do meu casaco de couro buscando guarida e proteção do vento frio que açoitava nossos rostos.

Seguimos rumo à região central do meretrício, lá pelas bandas da Praça Tiradentes, onde pululam as putas, michês e trans, hotéis antigos, bordéis com luz vermelha e um sem fim de moradias cabeças de porco.

-Para onde você está me levando? – Vamos para uma boate dançar?

-Não, meu príncipe. É surpresa.

Quando passávamos em frente a um pequeno hotel antigo de arquitetura clássica de 2 andares, ela me puxou porta adentro. Subimos uma pequena escada de madeira fazendo barulho do salto marcante do scarpin daquela fêmea emponderada. Aquela cadência do seu andar, aquele ritmo das pisadas me trouxe vagas lembranças da rua XV.

No andar de cima, um alemão gordo entregou a chave, sabonete e um par de toalhas.

-Café da manhã a partir das 07h30. São 100 “pila” adiantado.

Ela abriu a bolseta (eu disse bolseta = bolsa pequena, rsss) que trazia guardada no sutiã e pagou o pernoite.

Jogou-me na cama e me lambou dos pés à cabeça. Depois se levantou, pegou gelo no frigobar e preparou um drink de Campari, misturando alguma coisa.

Enquanto eu bebia ela me acariciava com sua boca sedenta, sugando com a gula de um marujo regresso do alto mar meus mamilos e depois foi descendo rumo ao paraíso. Desmaiei de tanto prazer, em ondas de gozo quase infinitas. Aquilo era algo sobrenatural.

Não me lembro de mais nada: apaguei.

No final da tarde daquele dia, fui acordado pela camareira.

-Senhor, senhor. Sua diária acabou às 12h00. O senhor está passando bem?

Abri os olhos e esperei por alguns minutos o teto parar de girar.

-Ah, sim. Estou bem. Vou tomar um banho e já desço. Obrigado.

Olhei para os lados e nenhum vestígio daquela deusa.

Fui ao banheiro e ao olhar para o espelho vi um coração desenhado em vermelho. No centro, a marca do beijo dos lábios da minha louca paixão.

Pensei que era batom. Passei o dedo, cheirei e lambi: era sangue!

Arregalei-me todo e ao olhar para meu pescoço, havia marca de uma mordida e dois furos profundos na jugular.

Escancarei a boca e meus caninos estavam um pouco protuberantes. É só impressão: besteira minha!

Essa semana voltei a Curitiba, revirei a boca maldita na esperança de reencontrá-la, mas foi em vão.

Jamais vou esquecer da minha doce vampira!

 

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Adilson Garcia

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Adilson Garcia

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