COLUNA FÓRUM OPTIMUM
Por Adilson Garcia
CUBA, LA TIERRA QUE NOS DUELE
Dra. Anidys Carrandi Vergara, cubana, presidente da Associação Internacional para os Profissionais da Saúde e Dr. Adilson Garcia, prof. Doutor em Direito, promotor de justiça aposentado e advogado
Mãezinha querida,
Perdoa-me, mãezinha, esse mês só pude mandar 1 kg de café e metade dos remédios para vocês. As coisas aqui no Brasil têm ficando muito difícil, a carestia é muita, a transportadora tá cobrando o olho da cara e eu estou desempregada.
Faço uns biscates trabalhando como diarista faxineira. Mal dá pra pagar o aluguel e a energia elétrica.
O dr. Hector conseguiu emprego de vigia, chamam-no de vigilante Doutor Cubano, ganha só um salário mínimo, dá pra livrar a fome. Ele mora num quartinho de favor na casa do presidente do bairro. Avisa a mãezinha dele que está tudo bem.
Perdoa-me, mãezinha, eu não sei onde eu pequei e nem onde errei.
Saí de Cuba para salvar vidas no Brasil e aqui abriram meus olhos e vi que na verdade era uma escrava dos ditadores cubanos, com a chancela do governo brasileiro de esquerda alinhado com o regime comunista maldito e infame que nos submete a toda sorte de atrocidades e tolhe nossas liberdades.
Mãezinha, o governo brasileiro pagava R$ 11.800,00 por médico cubano, mas só recebíamos quase R$ 3.000,00. Aqui, que temos acesso às mídias sem censura, ficamos sabendo da vida nababesca que a família Castro tem, com mansões espalhadas pelo mundo e carros alemães de luxo, jatinhos etc. à custa da miséria e exploração do povo cubano.
A direita assumiu o poder no Brasil e nós médicos cubanos ficamos sob fogo cruzado da guerra ideológica.
É verdade, mãezinha, Cuba é comunista, mas nosotros médicos somos humanistas, preocupados em salvar vidas e atender nossos semelhantes.
Mãezinha, o “PROGRAMA MAIS MÉDICOS” lançado em 2013 mediante convênio com a Organização Pan-Americana de Saúde Salud (OPS) foi abandonado por Havana, porque o presidente eleito Bolsonaro denunciou a retenção da maior parte dos salários dos médicos, comparando este sistema a condições análogas à escravidão.
O governo atual concedeu a permissão de residência de dois anos - prorrogáveis - aos médicos cubanos que optaram por ficar no Brasil.
Mãezinha, melhor teria sido pedir asilo político como refugiado. Agora venceu nossa permissão e ficamos numa sinuca de bico.
Aqui no Brasil tem dinheiro para fazer estádios inúteis e patrocinar olimpíadas, assim como tem dinheiro para bancar benesses da classe privilegiada, corrupção, políticos e farras com dinheiro público, mas não tem dinheiro para cuidar dos cidadãos enfermos.
Mãezinha querida, eu não consigo entender como um país rico com o Brasil pode ser assim!
Mãezinha, uma comissão de Cubanos liderada pelo Cônsul esteve na minha casa e me ameaçou, advertindo que se eu não voltasse a Cuba imediatamente, seria considerada uma criminosa, por ter desertado e traído Cuba. Trouxeram as passagens e alertaram que se não viajasse, aplicariam a pena de desterro ou exílio como punição de um crime grave, pelo prazo de 8 anos.
E se qualquer um de nós médicos manifestasse o pensamento na imprensa, nas mídias sociais ou buscasse solução política ou judicial, receberia a pena de banimento perpétuo de Cuba. É o meu caso!
Mãezinha, eu não traí ninguém, somente fiz uma opção de continuar trabalhando no Brasil, porque com o salário de médico de 50 dólares aí em Cuba nós íamos continuar passando fome e toda sorte de privação que a senhora passa.
Mãezinha, a senhora sabe, eu nunca fui de ficar calada, por isso nunca mais poderei pisar no solo cubano enquanto perdurar essa ditadura amaldiçoada.
Tornei-me uma criminosa aí em Cuba e agora me tornei uma criminosa aqui no Brasil, porque aqui trabalhar sem cumprir o que eles exigem é crime de Exercício Irregular de Profissão.
Aqui pedem um tal de REVALIDA, um exame inócuo que não mede capacidade técnica de ninguém. Se fosse aplicar esse REVALIDA para os médicos brasileiros, a maioria não ia passar. Se a Constituição do Brasil fala que todos são iguais perante a lei, porque só cobram REVALIDA dos médicos estrangeiros e não dos brasileiros? Não compreendo.
Passamos vários anos no programa “MAIS MÉDICOS” e mais três anos enfrentando a PANDEMIA e fizemos enquanto isso cursos de pós-graduação. E agora temos que provar nossa capacidade? Quer dizer que no programa “MAIS MÉDICOS” e na PANDEMIA tínhamos capacidade e agora temos que provar capacidade técnica com o REVALIDA?
Não compreendo, é um nonsense...
E nós não podemos nos documentar no Brasil porque Cuba nos cobra o equivalente a quase R$ 9 mil reais para emitir os documentos. Além disso, emperram burocraticamente e nunca emitem de propósito, uma forma de nos retaliar.
Mãezinha, durante a pandemia trabalhei nas alas vermelhas e peguei Covid, quase morri. Mas nunca traí o juramento a Hipócrates que fiz, de exercer a medicina e servir aos doentes.
Essa semana, mãezinha, quando fui trabalhar no posto médico do bairro periférico muito pobre, fui recebida pela polícia, que me impediu de atender os pacientes. Estava uma fila enorme e tiveram que voltar para suas casas, alguns ardendo de febre, porque não tem médico suficiente.
Mãezinha, um juiz federal brasileiro, Dr. João Bosco, com uma visão humana muito acima do seu tempo, deu uma liminar para os médicos do programa “MAIS MÉDICOS” trabalharem aqui no Amapá, atendendo a população mais vulnerável que não tem acesso à assistência médica privada, muito cara aqui no Brasil. E o sistema público brasileiro, chamado de SUS, não consegue atender a demanda.
Mas uma desembargadora de Brasília, que quando fica doente é atendida em hospitais privados tipo Hospital Israelita Alberto Einstein ou Sírio Libanês à custa do erário, cujo tratamento de Covid com internação nesses hospitais não saiu por menos de R$ 350.000,00, cortou nossos sonhos e tornou nossa vida um pesadelo.
A desalmada desembargadora, de dentro do seu gabinete refrigerado de um Tribunal suntuoso, cassou a liminar do Juiz Federal João Bosco, sem atentar para a realidade dura, nua e crua da população mais carente do Amapá, que ficou sem 159 médicos estrangeiros.
Mãezinha, o povo brasileiro é maravilhoso, nos recebeu calorosamente, gostam muito de nós, falam que os médicos cubanos são muito bons em seus atendimentos, nos elogiam por sermos muito dedicados e atenciosos com os pacientes.
Mãezinha, nós médicos cubanos somos de extrema importância para a população brasileira, porque damos o melhor de si onde quer que estejamos.
O povo brasileiro, principalmente a classe mais humilde, sofre por falta de médicos nos interiores e locais de difícil acesso. Os médicos brasileiros se concentram nas capitais e grandes centros e nos interiores as pessoas são entregues à própria sorte, pois quase nunca tem médico para atendê-los.
Nem se pagassem bem, os médicos brasileiros sairiam do conforto para enfrentar as dificuldades de uma medicina estatal sem estrutura. Eles têm as razões deles, porque só recebem um estetoscópio, às vezes nem esparadrapo há e o governo paga muito mal (e atrasa rss). Mas nós médicos cubanos, mãezinha, pensamos primeiro em salvar vidas e depois no resto.
Mãezinha, hoje somos vítimas não dos brasileiros, mas da classe dos médicos que tem um espírito corporativo absurdo, pois elegem os médicos estrangeiros como se fossem concorrentes. Ledo engano.
A classe médica é muito corporativista, eles mandam no Brasil porque boa dos deputados e alguns senadores são médicos. Aqui no Amapá, os prefeitos da Capital e da segunda maior cidade são médicos. Eles sabem das dificuldades dos cidadãos pobres, tomaram que eles se sensibilizem e interfiram a nosso favor.
Os médicos brasileiros vão continuar ficando cada vez mais ricos, pois aqui a medicina virou negócio, mercantilizaram a medicina. Quem tem dinheiro é atendido, quem não tem vai pro SUS e fica meses esperando uma consulta, anos esperando uma cirurgia. Isso se a morte não chegar antes, como sói acontecer.
Mãezinha, eu sinto muitas saudades da senhora, dos meus filhos, das minhas tias e do meu cachorrinho vira-lata Churrui. Não o deixe solto na rua, mãezinha, porque a senhora sabe, né? Corre o risco de virar churrasquinho, porque a fome em Cuba é grande.
Mãezinha, eu sinto uma dor profunda no peito por não estar ao lado do meu paizinho quando ele morreu no período da pandemia. Talvez se eu estivesse aí, teria evitado. Carrego inconscientemente essa culpa, me penitencio todo dia por isso, achando que a minha luta por melhores dias para nosotros não valeu a pena.
Mãezinha, pergunto a Deus sempre de joelhos ao lado da minha cama na hora de dormir: Deus, onde foi que eu pequei? Que foi que fiz de tão grave? Qual foi o crime de cometi?
Mãezinha, eu não tenho para onde ir. Não me aceitam no Brasil, se não revogarem a decisão de Brasília, a polícia federal vai bater na minha porta e me deportar para Cuba.
Em Cuba, sou “personna non grata”, sou lesa-pátria, desertora, traidora. Assim que eu descer do avião e pisar no meu solo cubano sagrado, vou direto para a cadeia.
Onde foi que falhei, mãezinha?
Mas fique tranquila, mãezinha: eu não sou criminosa. Sou só uma médica pediatra que salvou milhares de crianças brasileiras, onde os médicos brasileiros negligentemente não vão.
Mas não há tormenta que dure para sempre. Depois da tempestade vem a bonança.
Mãezinha querida tenha fé: um dia pisarei livre em CUBA, A TERRA QUE NOS DÓI.
Créditos (Imagem de capa): DO COLUNISTA
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