COLUNA FÓRUM OPTIMUM
A LENDA DA COBRA SOFIA DA ILHA DE SANTANA (AP)
Por Adilson Garcia
No mais lindo e maior rio do mundo, o Amazonas, bem ali na frente do Município de Santana, no Amapá, fica a Ilha de Santana, terra de fantasias.
A ilha de Santana mede 8 km de comprimento por 4 km de largura aproximadamente. Por força de uma sentença em uma ação discriminatória, o saudoso juiz estadual Hilmo Hass decretou o domínio para o Estado do Amapá e levou a registro no cartório de imóveis.
Mas é uma decisão de eficácia duvidosa, eis que uma sentença prolatada por um juiz incompetente é um nada jurídico.
Bem, na CF/88 a ilha não está arrolada como bens da União, mas por sofrer influência de marés em quase todo o seu território, a ilha de Santana é praticamente toda área de marinha. Por isso, tem jurisdição federal.
Peraí, meu! Eu tenho que parar com essa mania de escrever sobre assuntos jurídicos. Não há saco que aguente! Meus leitores assíduos têm reclamado com razão do meu juridiquês (Rss).
Portanto, vou escrever sobre a lenda da Cobra Sofia da Ilha de Santana.
A bucólica Ilha de Santana tem uma das praias mais lindas que eu já conheci, a praia do Recanto da Aldeia, onde a União jogou dinheiro fora repassando ao Município de Santana recursos para um complexo turístico maravilhoso, uma pousada de selva com várias cabanas, restaurante e trapiche no meio da mata, rodeado de igarapés, que nunca foi usado e os cupins comeram tudo por incompetência dos gestores municipais de Santana (um pior que o outro).
Igual azarado destino teve a escola Bosque construída longe da Vila da Ilha de Santana, em local de difícil acesso, dentro de uma concepção ambiental equivocada de um certo governo socialista que reinou no Amapá e é sem dúvidas uma das suas raízes do atraso.
Os cupins comeram tudo e nunca serviu para nada. Enquanto isso as crianças ficaram estudando em barraco de madeira com risco de cair na cabeça.
Incompetência mata!
Em ambos os casos milhões de recursos do contribuinte foram jogados na lata do lixo e nada aconteceu para os governantes incompetentes.
Agora rouba uma galinha patuvê! Êpa! Lá vem eu de novo falar sobre assuntos jurídicos. Aliás, casos de polícia (rss).
A ilha de Santana é vocacionada para o turismo e fruticultura, mas por incúria dos gestores públicos (das três esferas) incompetentes para executar uma política pública de habitação decente nos locais adequados, está havendo um processo de antropização da ilha e suas belas matas estão sendo destruídas para construção de moradias, debaixo da barba do omisso poder público.
Santana, com 130 mil habitantes, nunca recebeu uma reles unidade habitacional do Programa Minha Casa Minha Vida. Cotejei as imagens de satélite de 10 anos atrás e deu vontade de chorar. Posso confessar? Chorei mesmo!
A Amazônia é pródiga em lendas e mitos, a maioria de origem indígena e nada deve para a mitologia grega. São histórias maravilhosas e criativas que mexem com a imaginação da gente e revela a riqueza da cultura da região norte de Pindorama.
Dentre as lendas amazônicas, tem o Curupira, Mapinguari, Cobra Grande, Boto, Iara, Boitatá, Caipora e Kanoê, só para citar uns exemplos. Vou me ater à lenda da Cobra Sofia.
Etimologicamente, a palavra lenda advém do latim “legenda”, que significa “o que deve ser lido”. É, portanto, uma narrativa oral ou escrita, vivenciada pelo povo visualmente e são passadas de geração para geração através da oralidade, de forma maravilhosa, onde o humilde ribeirinho ou o indígena cria estórias, heróis ou vilões. E nesse cenário a realidade e a fantasia se entrelaçam.
Segundo Cascudo (1976), as lendas são narrativas heroicas ou sentimentais, com elemento maravilhoso ou sobre-humano, transmitido e conservado na tradição oral e popular, localizável no espaço e no tempo, possui características de fixação geográfica e pequena deformação, com as quatro características do conto popular: antiguidade, persistência, anonimato e oralidade.
Por meio das lendas, o povo explica fatos como a origem das coisas, fenômenos naturais, figuras sobrenaturais, tornando-se parte da vida social das pessoas.
Nessas lendas do rincão amazônico, esses personagens são seres habitantes da mata e rios. Muitos se fundem com características de homens e animais, tornam-se divinos com ações sobrenaturais com um link com os elementos do mundo, o sol, a lua, os animais e os sons.
Essa criação de palavras mágicas e de ritos formam o folclore da região Amazônica de identidade cultural fantástica.
A lenda da Cobra Sofia tem sua gênese na lenda da Cobra Grande, cujo protagonista é Honorato, um rapaz encantado, que vive no fundo do rio e tem a forma de uma cobra comum ou um ser encantado, seduzido por botos e levado para o fundo das águas.
O tamanho dessa anaconda é superior ao de qualquer cobra já vista na Amazônia e as suas aparições nos rios deixam medo e temor.
Honorato e sua irmã Maria Nargita (Maria Caninana) são filhos de boto e foram abandonadas às margens do rio e adotados pela mãe d’água que os encantaram e os transformaram em cobras grandes.
Honorato ajuda as pessoas que estão em perigo, enquanto que sua irmã é cruel e impiedosa, pois adora virar as embarcações por onde passa, deixando seu rastro de destruição e maldade. Ela tem prazer em ver as pessoas sendo tragadas pelas águas dos rios.
Já a lenda da Cobra Sofia diz que a índia Icorã habitava uma aldeia próxima à Ilha de Santana, onde era prisioneira de sua própria beleza. A bela indiazinha era muito triste, poucas vezes deixava a oca. Nas raras vezes que saía de noite, ficava na beira de um grande lago ou do rio Amazonas para lamentar à lua seu sofrimento.
Mas numa noite dessas, um boto Tucuxi avistou a bela índia e se apaixonou perdidamente. Galanteou-a e para conquistá-la se transformou em um belo cisne. Sob a luz do luar tiveram uma noite de amor e só depois de grávida veio a perceber que a bela ave era um boto.
Acontece que a índia era prometida ao Deus Tupã e ao descobrir a prenhez se escondeu até dar à luz a uma menina linda, batizada de Sofia.
A índia em estado puerperal jogou a criança de olhos cor de mel recém-nascida nas águas profundas para que esta se afogasse e ninguém conhecesse seu pecado.
Mas ela foi salva pelo seu pai, o boto Tucuxi, que arrependido do seu ato a transformou em uma cobra d’água para evitar sua morte por afogamento e viver no mundo mágico das águas.
A Cobra Sofia procurava águas profundas como sua morada e os seus sulcos deixados ao se deslocar teria criado um enorme canal, separando a Ilha de Santana do continente. Esses sulcos deixados durante o trajeto também formaram o Rio Matapi, cuja foz está do outro lado do nordeste da ilha e mistura suas águas com o Rio Amazonas.
É nesse canal de navegação onde passam navios oriundos de diversos países para o embarque de minérios, grãos e produtos florestais do Amapá. Ele também é a morada da grande Cobra Sofia, que está presente no imaginário da população do Amapá.
Mas há outra versão para o surgimento da lenda da Cobra Sofia, porque não raro o mito às vezes se confunde com verdades. É sabido que na Segunda Guerra Mundial as incursões de submarinos da Alemanha Nazista em águas brasileiras eram corriqueiras. Segundo registros da Marinha Brasileira um submarino alemão foi afundado em 09/07/1943 no litoral do Amapá por aviões dos EUA.
O submarino alemão ao emergir das águas do Rio Amazonas levantava enormes ondas d’águas que causavam o afundamento de pequenas embarcações.
Assim, essa outra versão do surgimento da lenda da Cobra Sofia se dá coincidentemente a partir de 1940 quando passou a ser contada em prosa e verso por ribeirinhos e catraieiros, os quais narravam ser uma grande cobra com os olhos em chamas serpenteando pelo Rio Amazonas, o que poderia muito bem ser as luzes de navegação do submarino emergido.
A população, como crítica social, relacionou a Cobra Sofia a dois episódios ocorridos no Canal do Rio Amazonas em frente à Ilha de Santana. O primeiro foi uma turbulência acontecida em 1993, tão forte no rio Amazonas que grandes navios desatracaram, tecnicamente explicada como um abalo geológico que provocou grandes ondas. Mas para os ribeirinhos foi a Cobra Sofia que se irritou e se mexeu no fundo do rio, fazendo grandes marolas.
O outro foi um acidente, o mais trágico de todos, ocorrido na madrugada do dia 28 de março de 2013, quando a estrutura do porto da empresa Anglo Ferrous desabou. No acidente, caminhões, guindastes e minério foram arrastados para dentro do Rio Amazonas e 6 operários morreram.
Para o Ministério Público houve excesso de peso e movimentação na retroárea do porto, enquanto que para um famoso perito da mineradora foi um fenômeno natural designado de “terras caídas” em cima de uma área sensível.
O engraçado é que daqui até Santarém o solo é praticamente o mesmo e só ocorreu esse desmoronamento justamente ali no Porto de Santana, onde a mineradora, na sanha de exportar minério de ferro, chegou a embarcar em um só mês 14 navios de 45 mil toneladas.
De novo, além de explicações técnicas, os rumores da população é que teria sido a Cobra Sofia, o que coloca em confronto a dualidade do binômio conhecimento técnico/saber tradicional.
Pena que o perito da mineradora, contratado a peso de ouro, por ser carioca certamente não conhecia a lenda da Cobra Sofia: senão ele teria na colocado a culpa na cobra pelo acidente do Porto da Anglo (rsss).
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