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Sexta-feira, 13 de Setembro de 2024

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A INEFICIÊNCIA E A INEFICÁCIA DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO IMPLANTADA NA AMAZÔNIA LEGAL

A Constituição Federal tem um capítulo específico para tratar de meio ambiente

A INEFICIÊNCIA E A INEFICÁCIA DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO IMPLANTADA NA AMAZÔNIA LEGAL
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A INEFICIÊNCIA E A INEFICÁCIA DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO IMPLANTADA NA AMAZÔNIA LEGAL

 

 

Paulo Sérgio Sampaio Figueira

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Advogado

 

A Constituição Federal tem um capítulo específico para tratar de meio ambiente, e com essa premissa determinou, em seu artigo 225, a realização de um meio ambiente equilibrado para o país, sem olvidar que o Brasil faz parte da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (CDB) e das Metas de Aichi para a biodiversidade.  A Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica é considerada o principal acordo ambiental multilateral da área da biodiversidade, desta forma essa convenção considera as Unidades de Conservação como uma das formas mais eficientes para a conservação da biodiversidade in situ, em que busca estabelecer ações concretas para deter a perda da biodiversidade planetária.

Vale ressaltar, entretanto, para o cumprimento desse objetivo, existiu durante muitos anos, um rol de normas esparsas, destinadas à proteção de áreas consideradas essenciais para o equilíbrio do meio ambiente, até a instituição da Lei n.° 9.985, de 18 de julho de 2000, que unificou e disciplinou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) no país, e foi regulamentada pelo Decreto n.º 4.340, de 22 de agosto de 2002.

Inicialmente, deve-se explicitar que, nos termos do artigo 2°, inciso I, da referida lei, que a unidade de conservação é o "espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção". Por sua vez, o artigo 2º do Decreto n.º 4.340, de 2002, salienta que o ato de criação de uma unidade de conservação deve indicar: I - a denominação, a categoria de manejo, os objetivos, os limites, a área da unidade e o órgão responsável por sua administração;  II - a população tradicional beneficiária, no caso das Reservas Extrativistas e das Reservas de Desenvolvimento Sustentável; III - a população tradicional residente, quando couber, no caso das Florestas Nacionais, Florestas Estaduais ou Florestas Municipais; e IV - as atividades econômicas, de segurança e de defesa nacional envolvidas.

É importante, entretanto, salientar, que a Lei n.° 9.985, de 2000, não cria, efetivamente, espécie de unidades de conservação, somente estabelecem diretrizes, como o modo de sua criação, a competência para tanto, deste modo, o conteúdo e objetivo primordial de cada unidade, dentre outras responsabilidades, caberá à vontade política dos administradores públicos, sob a fiscalização dos cidadãos, dos Tribunais de Contas, do Ministério Público, dos Conselhos de Meio Ambiente, dos Conselhos Gestores, e da área de entorno, exigir a materialização dos benefícios pretendidos pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza.

Destarte, as Unidades de Conservação, constituem estruturas a serem vistas sob três aspectos. Primeiramente, como espaços geográficos diferenciados dentro do modo de apropriação predatório que caracteriza a sociedade contemporânea. Num segundo momento, como instrumentos de planejamento do território nacional. E, por último, como campos para o desenvolvimento técnico-científico brasileiro (DERANI, 2001).

A Lei nº. 9.985, de 2000, no artigo 7°, realiza a divisão das unidades de conservação em dois grandes grupos. O primeiro desses dois grupos é o das “Unidades de Proteção Integral”, sendo possível apenas o uso indireto dos recursos naturais e de atividades como educação, pesquisa cientifica e turismo. Nesse grupo, pelo artigo 8°, encontram-se: a Estação Ecológica, a Reserva Biológica, o Parque Nacional, o Monumento Natural e o Refúgio da Vida Silvestre.

O segundo grupo é o das “Unidades de Uso Sustentável”, são as unidades em que permite à presença e atividade humana, em que se busca compatibilizar a conservação com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais. Nesse grupo de acordo com artigo 14, fazem parte: a Área de Proteção Ambiental, a Área de Relevante Interesse Ecológico, a Floresta Nacional, a Reserva Extrativista, a Reserva de Fauna, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável, e a Reserva Particular do Patrimônio Natural.

As Unidades de Conservação não são e não podem ser consideradas como ambientes intocáveis e contrários a qualquer atividade econômica. Pelo contrário, uma das condições da preservação de suas funções ecossistêmicas está no fato de elas abrigarem populações tradicionais, ou seja, comunidades ribeirinhas e extrativistas cuja cultura material compatibiliza o uso da floresta de forma sustentável sob o pilar da sua preservação para futuras gerações. Vale ressaltar, que em 88,3% da área total protegida por unidades de conservação são permitidos usos diversos passíveis de gerar efeitos positivos imediatos à economia regional. Apenas 11,7% apresentam restrições do ponto de vista de uso direto dos recursos naturais, embora sejam permitidas atividades desde que reguladas e controladas pelos órgãos ambientais (TCU, 2014).

É importante salientar que para criação de unidades de conservação devem levar em consideração os critérios quanto a alta diversidade de espécies e habitats encontráveis nesse espaço; o elevado grau de endemismo de seu ecossistema; sua alta sensibilidade à pressão das atividades degradadoras do homem; e por ultimo seu elevado nível de stress, ou seja, o fato de ter chegado à sua saturação, a partir da qual passará a perder as características de seu bioma.

Acrescente-se ainda como fato determinante que a criação das unidades de conservação, com exceção da Estação Ecológica e da Reserva Biológica, necessitará de consulta pública junto à comunidade em cuja unidade se pretenda estabelecer, bem como da realização prévia de estudos técnico-ambientais, referentes à localização, dimensão e limites que lhe sejam mais adequados.

Deve-se ressaltar que entre 2003 e 2008, o Brasil foi responsável pela criação de 74% das áreas protegidas em todo mundo. Sabe-se que essa política ambiental necessita de condições suficientes à implementação e à boa gestão desses territórios. Atualmente existem 2.446 unidades de conservação federais e estaduais em todo o Brasil, das quais 329 unidades de conservação encontram-se no bioma Amazônia, sendo que desse total 145 são federais e 184 estaduais. Quando ao regime de modalidades 117 são de proteção integral e 212 de uso sustentável (CNUC, 2020).

O Ministério do Meio Ambiente (MMA) coordena o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) e ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) cabe a gestão das unidades de conservação federal. Por sua vez, as Secretarias de Meio Ambiente dos Estados e dos Municípios realizam a gestão das Unidades de Conservação em seu respectivo território.

Após essa exposição vamos a síntese da Auditória realizada pelo Tribunal de Contas da União e pelo Tribunal de Contas dos Estados na Amazônia Legal, concluído em 2014. Nessa época as unidades desse bioma na Amazônia Legal ocupavam 1,1 milhão de km2 e representavam 73% da área total das unidades de conservação federais e estaduais no Brasil. Essas unidades de conservação na Amazônia Legal, 37% delas eram de “uso integral” e 63% de uso sustentável.

Essa auditória do TCU e do TCE, tinha como objetivo avaliar se existiam as condições normativas, institucionais e operacionais necessárias para que as 107 UCs federais e as 140 estaduais localizadas na Amazônia cumprisse os objetivos para os quais foram criadas, identificando gargalos e oportunidades de melhoria, bem como  boas práticas que aperfeiçoassem a gestão dessas áreas.

O resultado dessa auditória pelo TCU e TCE chegou as seguintes constatações: i) Subutilização do potencial de uso público (visitação, turismo e recreação) dos Parques Nacionais; ii) Baixo número de concessões florestais onerosas, deixando-se de se promover a exploração legal de madeira nas Florestas Nacionais e Estaduais; iii) Dificuldades na promoção de atividades nas Reservas Extrativistas, em função dos obstáculos ao acesso dos recursos naturais, condições precárias de produção/comercialização e menor atratividade econômica do extrativismo florestal não madeireiro; iv) Insuficiência das pesquisas e no monitoramento da biodiversidade, que gera problemas na mensuração e comunicação dos resultados alcançados na proteção do patrimônio natural e na promoção do desenvolvimento socioambiental das unidades de conservação.

No que concerne ao item quanto às Condições de Trabalho o resultado da Auditória do TCU e TCE chegaram as seguintes análises: i) Inexistência, inadequação e baixo grau de implementação dos Planos de Manejo, nos quais se estabelece o zoneamento e as normas que devem presidir o  uso da área da unidades de conservação e o manejo dos seus recursos naturais. Apenas 42% das unidades de conservação federais do bioma Amazônia possuem Plano de Manejo aprovado; ii) Recursos financeiros incompatíveis com as necessidades de gestão; iii) Recursos humanos incompatíveis com as necessidades de gestão; iv) Pendências relevantes de regularização fundiária e de consolidação de limites, causando dificuldades à gestão das unidades de conservação e conflitos pela posse e uso da terra.

Na temática relacionada quanto à Articulação, a Auditoria concluiu que existem: i) Deficiências na coordenação do SNUC pelo MMA;  ii) Baixa cooperação e frágil comunicação entre os atores (órgãos federais, estaduais, municipais e não governamentais) que possuem interface com o SNUC.

Materializando as constatações, o TCU criou o Índice de Implementação e de Gestão de Áreas Protegidas (INDIMAPA), instrumento de avaliação, de comunicação e de monitoramento, visualizado por meio de mapas georreferenciados, em que ficou comprovado que apenas 4% das UCs mostraram alto grau de implementação e gestão, 56,3% Médio Grau;  e 39,7% Baixo Grau.

Após essas análises, o TCU deliberou que o Ministério do Meio Ambiente adotasse providências para o exercício da coordenação do SNUC, visto que não vinha realizando essa coordenação. Também recomendou que realizasse em articulação com outros ministérios, para fomentar atividades sustentáveis e economicamente viáveis para os extrativistas do bioma Amazônia. Ainda avaliasse a elaboração de uma estratégia nacional de monitoramento da biodiversidade, bem como promovesse campanhas de comunicação para informar que vários pontos turísticos brasileiros se encontram em Unidades de Conservação, e que Implementassem mecanismos que assegurassem maior divulgação e troca de informações entre os atores que compõem o SNUC.

Em relação ao ICMBIO as recomendações foram no sentido de: i) Dotar as UCs de Planos de Manejo adequados a sua realidade; ii) Estudar formas de implementar o incremento da visitação, do turismo e da recreação nas UCs; iii) Promover ações de articulação institucional para aprimorar a infraestrutura de apoio à pesquisa; iv) Realizar levantamento de informações a respeito da situação fundiária nas UCs federais para subsidiar o planejamento das ações de regularização fundiária; v) Aperfeiçoar o macroprocesso de negócios para aumentar as oportunidades de captação de recursos para o fortalecimento do SNUC; e vi) Definir mecanismos e diretrizes para o estabelecimento de parcerias com os atores envolvidos na gestão das UCs federais localizadas no bioma Amazônia, de forma a minimizar a escassez de recursos financeiros    e humanos. Vale ressaltar que o TCE realizou as mesmas recomendações para os nove Estados.

É importante lembrar que essa Auditória realizada pelo TCU e pelo TCE, concluida em 2014,  os dados conclusos não diferem em relação as informações produzidas pela WWF-Brasil desde desde o ano de 2004, pelo método Rappam (Avaliação Rápida e Priorização da Gestão das Áreas Protegidas), sendo que esse método permite aos tomadores de decisão e formuladores de políticas para as unidades de conservação identificar as maiores tendências e aspectos que devem ser considerados para alcançar uma melhor efetividade de gestão em um sistema ou grupo de áreas protegidas.

Em 2005 o método Rappam demonstrou que a maioria das unidades de conservação apresentava efetividade de gestão na faixa considerada Baixa (menor que 40%), tanto no grupo de proteção integral (50%) quanto no de uso sustentável (67%) e que nem 10% das unidades estavam na faixa Alta (maior que 60%). Já em 2015 a distribuição das unidades foi 12% na faixa Baixa, 58% na Média (de 40% a 60%) e 31% na Alta. Para as UCs de uso integral, o desempenho foi 18% na Baixa, 33% na Média, e 49% na Alta. Mesmo resultado vem se repertindo nos anos seguintes, demonstrando que as Unidades de conservação não cumprem seu objetivo para qual foram criadas.

Para concluir, fica demonstrado que a ampliação das áreas protegidas na Amazônia Legal não foi acompanhada de políticas públicas que garantissem sua integridade e, portanto, os serviços ecossistêmicos que justificam sua proteção, ao contrário é notório o processo de grilagem de terras, atividades econômicas ilegais, principalmente exploração madeireira, de minérios, e agressões aos povos tradicionais que habitam nestes territórios continuam sobrevindo. O abandono das áreas protegidas é socialmente trágico, compromete a posição do Brasil como reconhecida potência ambiental, provoca a violação do estado de direito, sacrifica imenso patrimônio cultural e traz prejuízos econômicos nem de longe compensados pela renda advinda da extração predatória dos recursos destes territórios. O Brasil, detentor da maior biodiversidade do Planeta, não tem como garantir este ativo apenas por meio de áreas protegidas de papel, pois ficou demonstrado isso na Auditória do TCU, TCE e WWF.

Dessarte, a grande questão que se debate hoje é que através desses resultados da Auditória do TCU, TCE e do método  Rappam da WWF-Brasil, fica comprovado que as Unidades de Conservação criadas no Brasil, não vêm cumprindo com seu papel, visto que as áreas já criadas ainda não atingiram plenamente os objetivos que motivaram sua criação como uma estratégia eficaz para conservar a fauna, a flora, os serviços ambientais, conter o desmatamento, manter as comunidades tradicionais seguras nesses bioma, e manter o equilíbrio climático do Planeta, exatamente por ausência de ferramentas de gestão como plano de manejo, plano de uso, instituição e fortalecimento de conselho gestor, corroborado por ausência de logística, de infraestrutura, de capital humano, de capital financeiro, de ciência e tecnologia, para usufruir dessas riquezas com a inclusão do homem no modelo de uso sustentável, bem como ausência de atividades de visitação, do turismo, e da recreação em unidades de conservação de proteção integral, permitindo, dessa forma, uma visão sistêmica da política pública de áreas protegidas na região Amazônica.

Para aprofundar sobre tema pode acessar os site do TCU (Auditória) e da WWF-Brasil (Método Rappam):

  • https://portal.tcu.gov.br/biblioteca-digital/auditoria-coordenada-em-unidades-de-conservacao-da-amazonia.htm
  • https://www.wwf.org.br/informacoes/bliblioteca/?60763/Rappam-2015

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição Federal. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 28 set. 2019.

BRASIL Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art. 225,  § 1o, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências. Disponível em:                            < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9985.htm>. Acesso em 22 nov. 2018.

BRASIL. Decreto nº 4.340, de 22 de agosto de 2002. Regulamenta artigos da Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - SNUC, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF., 22 ago. 2002.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2018.

MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 20. ed. São Paulo: RT, 2016.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26.ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 11.ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2018.

OLIVEIRA, Raul Miguel Freitas de. Concessão Florestal: exploração sustentável de florestas públicas por particular. Leme: J.H.Mizuno, 2013.

 

Comentários:
Adilson Garcia

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Adilson Garcia

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